sexta-feira, 16 de outubro de 2009

A PRAIA DA PIPA DOS MEUS AVÓS

ORMUZ BARBALHO SIMONETTI (Presidente do Instituto Norte-Riograndense de Genealogia-INRG e membro do IHGRN)

www.ormuzsimonetti@yahoo.com.br

PIPA – A AGRICULTURA E O FREVILHADO

Eu tava na peneira eu tava peneirando eu tava no namoro eu tava namorando."

Até a década de 80, a comunidade da Pipa vivia exclusivamente da pesca e da agricultura. Os “roçados” eram feitos em cima das falésias onde outrora se debruçava a mata atlântica. Na preparação dos roçados, primeiro se escolhia um local que tivesse a vegetação menos densa para facilitar o desmate, em seguida o mato era cortado de foice, operação que se dava o nome de “broca”.
Dias depois, quando o mato já estava bem seco, se ateava fogo, a maneira mais fácil e barata de limpar a área. Essa prática também contribuía na fertilização da terra pelas cinzas ricas em fósforo e potássio, produzidos pela queima do mato. Os índios, nossos primeiros habitantes, já se utilizavam dessa técnica no plantio de seus roçados também chamados de mandiotuba. Nos dias de hoje, a queimada ainda é bastante utilizada em todo o país, principalmente pelas comunidades mais pobres.

Os roçados, a princípio feitos próximos as moradias, com o passar do tempo e pelo esgotamento da terra, iam sendo localizados mais distantes, sempre em direção ao rio Galhardo. Como a tendência da terra era enfraquecer, seja pelo manejo inadequado do solo ou pelo uso de técnicas rudimentares no seu preparo, essas áreas eram exploradas no máximo por dois anos. Ao fim desse período, o roçado era mudado para outro local e começavam tudo novamente.

O preparo da terra se dava no início de setembro para que pudessem realizar o plantio nas primeiras chuvas ocorridas em janeiro, conhecidas como chuva do caju. Nesses roçados plantavam feijão, milho e principalmente a mandioca e em quantidade reduzida também a macaxeira, conhecida no sul do país pelo nome de aipim. A macaxeira, mais exigente em relação ao tipo solo, era cultivada de preferência em áreas úmidas de paul e aluvião. Esses solos só eram encontrados as margens do rio Galhardo.

O feijão e o milho sempre eram plantavam em consórcio com a mandioca, para um melhor aproveitamento de área. Por terem círculos vegetativos diferentes, primeiro era colhido o feijão, verde e seco, acontecendo da mesma forma com o milho. Este, quando colhido verde, era muito utilizado na confecção de canjicas, bolos e pamonhas. E por último a mandioca, que tendo um círculo mais longo, era colhida somente no ano seguinte.

Os cereais, depois de separado o que seria consumido pela família durante o ano, eram comercializados nas feiras de Goianinha, Arês, Canguaretama e Vila Flor. Já a mandioca, passava por vários processos antes de sua comercialização. Como na época não havia o hábito da venda do produto “in natura” destinado a ração animal, prática muito utilizada na atualidade, as raízes eram beneficiadas antes de sua comercialização.

O beneficiamento era feito nas chamadas “casas de farinha”. Depois de colhidas as raízes eram descascadas em seguida passadas em um ralador e transformava-se em uma massa. Esta depois de prensada era levada ao forno para ser torrada e transformava em farinha, base da alimentação da comunidade. Além da farinha, também se extraia a fécula, conhecida como goma, que da mandioca é o produto mais nobre. Dela se fabrica tapiocas, beijus, conhecido como mbyú, grudes, biscoitos, sequilhos etc.

Foi por volta do ano de 1930 que Chico de Amara, pai de Maria Alves, teve a idéia de misturar à goma uma porção maior do coco seco ralado que já utilizava na fabricação do “grude”. Depois, sem que a mistura fosse comprimida, era levada ao forno por alguns minutos, de onde nasceu o famoso “frevilhado”. Essa espécie de tapioca, redonda com média de 8 cm de diâmetro, tem sabor inigualável, além de muito apreciado pelos nativos, também era bastante consumida pelos veranistas e os poucos visitantes que se aventuravam na Pipa daquela época. Posteriormente, várias pessoas da comunidade passaram a produzir o frevilhado. Este era vendido, durante a semana, na própria comunidade e nos fins de semana nas feiras da região.

Maria Alves, nativa da praia da Pipa, que ainda hoje se dedica à sua fabricação, conta que desde muito pequena conviveu com essa atividade. Seu pai, criador da guloseima, conseguiu sustentar toda a família com a venda de produtos derivados da mandioca, principalmente o frevilhado. Naquela época a comercialização era realizada nas cidades mais próximas. Dependendo do dia da feira, o frivilhado era feito sempre na véspera, à noite arrumava a produção em um balaio, que além dos frevilhados levavam: grudes, beijus e tapiocas.

Acomodado na cabeça, o balaio bem recheado e pesando média de 20 quilos, era conduzido pelos homens, que viajavam, a pé, geralmente acompanhados por filhos ou esposa. Saia da Pipa aí pelas 10 horas e andavam durante toda a noite para amanhecer o dia no local das feiras. A recompensa pelo tamanho sacrifício era a certeza do retorno pra casa com a produção toda vendida, alguns cruzeiros no bolso e o balaio bem mais maneiro.

Durante esse período existiam na Pipa várias casas de farinha. A primeira foi a do velho Castelo, pai de Domitila que ficava onde hoje é a casa de Honório. Depois vieram a de João Pegado, Chico Marcelina, Tereza, Zé Gago e Manoel Lopes. No auge da produção de mandioca, todas essas casas de farinha trabalhavam dia e noite para dar conta das colheitas. Os agricultores que não possuíam essas casas de beneficiamento, alugavam dos outros que eram proprietários. Esse aluguel era pago com um percentual da produção que se dava o nome de “conga”. A cada 30 cuias de farinha produzidas, seis eram dadas em pagamento.

A primeira casa de farinha construída na Pipa foi a de Vicência Castelo e a última a de Manoel Lopes que foi demolida em 1982. Até a década de 80 era comum, durante o veraneio, agente ser acordado bem cedo, aí pelas seis da matina, com os gritos estridulante dos garotos que anunciavam: i êêê o friviaaaaaaaaaaaaadoooooo, bem fresquiiiiiiinhooooo.

As terras, outrora plantadas com lavoura, hoje estão tomadas por casas de morada, hotéis e pousadas, numa desenfreada especulação imobiliária que enriquece alguns poucos e empobrece e marginaliza os nativos. As matas foram devastadas e com ela a frágil fauna existente na região. O coelho, a cutia, o jacú e a sariema, desapareceram completamente. Até mesmo os periquitos jandaia que revoavam em bandos com seu chalrar estridentes, há tempos já não são vistos. Apenas as rolinhas cafofa, imponentes no seu porte e com suas vistosas penas pedrês, empoleiradas nas cumieiras das casas, ainda insiste no seu canto triste, “fogo-pagou”. . . “ fogo-pagou” . . .”fogo-pagou”, numa luta desesperada para sobreviver, em uma Pipa moderna, que não pára de crescer.